sexta-feira, 27 de junho de 2008

GUARDA COMPARTILHADA I

GUARDA COMPARTILHADA - [ 27/06 ]
Quando a Lei obriga o que deveria ser natural
Helena Gozzano Notícia publicada na edição de 27/06/2008 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 1 do caderno Ela - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
(helena.gozzano@jcruzeiro.com.br)

- Oi Lúcia, é o Jorge. Tudo bem com você, com o Gustavo?
- Tá tudo bem, sim, apesar do frio.
- Tô ligando porque amanhã a tarde vou sair mais cedo do trabalho e gostaria de levar o Gustavo no cinema, já que o próximo final de semana ele fica com você. Pode ser?
- Pode, sim. Ele vai adorar. Você vai pegá-lo na escola?
- Na escola não dá. Pego na sua casa lá pelas duas da tarde.
- Tudo bem, digo pra ele e peço pra babá deixá-lo pronto às duas.
- Obrigado, Lúcia. Bom final de semana pra vocês.
- Obrigada. Não se esqueça de dar os parabéns pro Gustavo, ele foi elogiado pela professora ontem por bom comportamento.
- Que bom! Tchau, então.
- Tchau.
Esse diálogo entre um casal separado e que tem um filho para educar e formar deveria ser ‘lugar comum. Mas não é. Na maior parte dos casos, a separação prejudica muito os filhos porque os casais transferem toda a desarmonia do casamento desfeito para a relação com os filhos. As crianças passam a ser canal de chantagem, de vingança e de desforra.
Diante disso, o Poder Legislativo se posiciona. Mas será que isso é positivo?
No dia 16 de junho de 2008 foi publicada a Lei n.´ 11.698/08 que altera dispositivos do Código Civil, regulamentando a chamada ‘guarda compartilhada‘. Esta, de acordo com a definição legal, consiste na responsabilização conjunta e no exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Em outras palavras, ela permite que a responsabilidade quanto aos aspectos morais, educacionais e materiais inerentes à criação dos filhos seja exercida conjuntamente pelos pais separados judicialmente ou divorciados. O instituto não foi criado pela lei, pois a doutrina e a jurisprudência já tratavam do assunto. A Lei inovou apenas ao regulamentar a matéria, comenta Gabriela Freitas Aleixo Galvão de Souza, defensora pública e coordenadora regional da Escola da Defensoria Pública.
Ela analisa que é evidente que a finalidade do legislador é garantir o desenvolvimento sadio dos filhos, em atendimento às determinações constitucionais e legais de proteção da criança e do adolescente. A nova lei objetiva, também, harmonizar o convívio familiar e exaurir as discussões entre os genitores sobre as decisões quanto aos filhos e quanto ao regime de visitas.
Mas Gabriela ressalta que o ideal seria se o entendimento entre o casal - que, por circunstâncias da vida, deixaram de viver juntos - continuasse harmônico. Até mesmo porque, se da união resultou uma vida, haverá um vínculo entre o ex-casal que jamais será desfeito.
A defensora pública comenta que no relacionamento harmônico há um diálogo com o objetivo, especialmente, do ideal de felicidade na fase de amadurecimento dos filhos. Se o casal, considerando as peculiaridades do relacionamento, optar pela responsabilização conjunta em relação aos filhos, é claro o benefício que a guarda compartilhada poderá trazer.
Mas ela faz uma ressalva: o ideal nem sempre e, na maioria das vezes, não se concretiza no âmago das relações sociais. Quando um casal se separa ou divorcia é porque muitas vezes a possibilidade de diálogo deixou de existir. Por isso, se a guarda compartilhada for imposta, a finalidade do ordenamento jurídico será desviada e o que era para ser benéfico produzirá efeitos catastróficos. Segundo os ditames da nova lei, a guarda compartilhada poderá ser decretada pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
Assim, para Gabriela, a imposição - mesmo baseada em um parecer técnico profissional ou de equipe interdisciplinar - independentemente da manifestação da vontade do ex-casal, é procedimento que se distancia da realidade das relações humanas.
Para a defensora, cabe às pessoas diretamente envolvidas optarem pela guarda compartilhada: um bom relacionamento é resultado de várias experiências de vida e de sentimentos profundos que as frias páginas de um processo judicial jamais poderão expressar. Sem desmerecer a importância da legislação, é preciso cautela na aplicação das novas regras, já que o sentido das normas deve ser interpretado de acordo com a realidade social, buscando sempre concretizar a função da família na Constituição Federal: garantir a felicidade de cada um e a plena realização da personalidade em um ambiente de amor e de responsabilidade.
O sofrimento dos filhos
Muito se fala do amor do pai - e especialmente da mãe -pelos filhos, mas é fato que o amor dos filhos pelos pais também é muito grande.
Em uma situação de separação, eles também sofrem, é claro. Mas sofrem ainda mais se o afastamento dos pais acontecer em meio a brigas, desavenças, agressões, comenta a psicóloga Aline Del Rio, de Sorocaba.
Ela salienta que, na prática, a decisão a respeito da guarda depende muito de como foi a separação - muitos pais brigam pela guarda da criança para manterem a relação entre eles (pais), para resolver o que ainda não foi resolvido entre os dois. Os filhos seriam esse elo.
Nessas situação, muitas vezes os filhos ficam divididos, se sentem culpados e o desejo deles mesmos fica em segundo plano e as crianças passam a viver a vida dos pais. Isso acontece mais com crianças pequenas, que precisam de rotinas, horários; os adolescentes, muitas vezes se rebelam.
Quando a separação ocorre sem brigas, a criança recebe melhor, percebe que não perdeu os pais, que a estrutura da família se mantém, consegue formar sua personalidade e tem a segurança de ser ela mesma, diz Aline.
Para a psicóloga, cada caso deve ser analisado particularmente para que se compreenda a dinâmica da família; é preciso levar em conta todos os detalhes.
Ela lembra que é comum que as crianças sejam levadas para a psicoterapia quando quem precisa de ajuda são os pais - o comportamento da criança é apenas o sintoma dessa desorganização familiar. É difícil que o pai e a mãe admitam que o problema pode estar neles. Por isso que em alguns casos a Justiça precisa interferir, para garantir a saúde mental da criança. Para Aline, é preciso dar a devida importância à saúde mental e à formação da criança.
Afinal de contas, quando duas pessoas se casam, mesmo fazendo promessas de eternidade, sabe-se que o relacionamento pode acabar. Já, ao se ter filhos, não há dúvidas: filhos são pra sempre!

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